Depois de cerca de dois anos cogitando fechar a “perna” do hemisfério norte para o desafio Grande Cacique Fazedor de Neve, buscando informações para formatar um planejamento que pudesse me mostrar que seria exequível, finalmente, em outubro de 2023, tomei a decisão de tentar enfrentar esse desafio e comecei efetivamente a colocar em prática algumas ações.
Algumas provocações subliminares contribuíram para essa decisão... Hehehe
E, para relatar esse desafio inédito, faz-se necessário voltar um pouco ao tempo. No ano de 2011, eu e o Brother Edson Steglich iniciamos uma grande aventura, com alguns objetivos públicos e outros nem tanto...
Partimos de Santa Maria, RS, com destino ao Alaska, USA, onde tentaríamos chegar até Prudhoe Bay, junto ao Oceano Ártico, sendo esse o foco principal, e, se possível, percorrer toda a Route 66.
Um dos objetivos não compartilhados na época, foi se conseguíssemos chegar a Prudhoe Bay, no Alaska, partiríamos de lá com destino a Ushuaia, extremo Sul da Argentina, sem escala no Brasil. O segundo objetivo não revelado foi a realização da travessia dos USA, partindo da costa leste, para alcançar Prudhoe Bay, na costa oeste.
Assim, contornamos todo o Golfo do México, desde Cancún até Key West, na Flórida, de onde partimos dia 11/06/2011, para cortar os USA e chegar a Prudhoe Bay, Alaska, dia 10/07/2011, completando o desafio Coast to Coast Challenge, em menos de 30 dias, de Key West, FL até Prudhoe Bay, Alaska.
Com o objetivo alcançado, era o momento de começarmos o retorno, que seria sem escala, esticando até Ushuaia, antes de chegarmos a Santa Maria, RS.
Partimos de Prudhoe Bay, no dia 11/07/2011, com chuva.
No curso da viagem, quando estávamos realizando a travessia da Route 66, partindo do Pier Santa Mônica, em Los Angeles, começamos a trocar ideia que seria bacana se conseguíssemos chegar a Santa Maria, durante o evento do Mercocycle, que é promovido e realizado todos os anos pela Associação Motociclística Gaudérios do Asfalto - AMGA, em Santa Maria.
Quando estávamos no Estado de Utah, comecei a fazer algumas projeções e cálculos, e verifiquei que teríamos de sacrificar alguma parte do roteiro. Ao chegarmos ao Estado de Oklahoma, decidimos ir até Ushuaia, deixando a Route 66 para outro momento. Viramos para o Sul, em direção ao Texas, para atravessar a fronteira com o México, por Laredo.
Nós já havíamos ido até Ushuaia duas vezes, em 2004 e 2008, mas essa seria nossa grande jornada, Alaska a Ushuaia.
A família e os amigos só ficaram sabendo que desceríamos até Ushuaia quando seguimos em frente na Ruta 5, Panamericana, ao passarmos pela região do Atacama, Norte do Chile. Foi um momento de alegria e tristeza, mas o espírito aventureiro surgiu e decidiu.
Esse é o recorte dessa grande aventura, que acabaria proporcionando nossa chegada à Terra do Fogo, Ushuaia, Argentina, no período hábil para esse desafio do GCFN.
Após descermos praticamente toda a Ruta 5, no Chile, viramos para a esquerda após Temuco, passando por Pucón, para chegar à Argentina, pelo Paso Mamuil Malal, e nos depararmos com o Vulcão Lanín, magnificamente coberto de branco. Espetacular!
Depois, foi chegar até a Ruta 40 e seguir até pouco adiante de Gobernador Costa, onde pegamos a Ruta 26, que nos levou até Comodoro Rivadavia, na Ruta 3, que nos esperava para nos acompanhar até o nosso destino no extremo sul da Patagônia.
O frio já nos fazia rodar em velocidade moderada, além de termos de aumentar as camadas de roupas internas.
As retas infindáveis davam o tom do cenário dos campos típicos e gelados da Patagônia, com destaque para os guanacos, que, como sentinela daquelas paragens, se posicionavam nos pontos mais elevados, atentos a todos os movimentos de intrusos e alguns insanos. Momentos de contemplar e fotografar os belos cenários.
Já, na travessia do Estreito de Magalhães, se pôde sentir o maior rigor da temperatura. Decidimos nos refugiar do frio na Hosteria Tunkelén, em Cerro Sombreiro. Sempre muito aconchegante.
Ao amanhecer, já sentimos a baixa temperatura pelo acúmulo de gelo na moto, que ficara sem abrigo. Depois foi enfrentar a ruta de rípio no Chile, pois no subir e descer das muitas colinas, ao longo do caminho, o frio me castigava de forma insuportável nas mãos e pés. Por várias vezes, tive de parar para aquecer as mãos no motor da moto ou aquecer com água quente nas estações de serviços.
As paisagens eram estupendas! Os tropeiros conduzindo centenas e centenas de ovelhas pelas rutas e campos, cenas que amenizavam as dores impostas pelo frio impiedoso, confortando a alma e alegrando nosso pensamento, no isolamento voluntário do capacete, naquela inóspita Tierra del Fuego. Cheguei a pensar que seria mais apropriado chamar de Tierra de Hielo.
Ao avançarmos pela Ruta 3, já em território argentino novamente, chegando a cerca de Tolhuin, fomos abençoados com um visual magnifico. É onde a Cordilheira dos Andes faz a curva para se aproximar do Atlântico. Ela se mostrava completamente branca, impondo-nos momentos de medo, preocupação e cautela para enfrentar o Paso Garibaldi, ponto mais alto, onde a temperatura congelante me fez padecer de frio, como o morador de rua padece nas noites frias de inverno.
Ao mergulhar pelo interior das montanhas brancas, assustadoras, face à minha pequenez e fragilidade física, deparo-me com os campos, outrora fotografados em tons verde e amarelo, completamente brancos, parecendo um campo de gelo. Magnífico!
Fui tomado por uma sensação, de certo modo, dicotômica, de euforia e de medo. Euforia, por estar ali, naquele momento, em um cenário impressionante e belíssimo. Medo, pois já não tinha mais tato nos dedos das mãos. Estavam congelados.
E, no dia 27 de setembro de 2011, foi o calor humano da recepção fraterna e carinhosa de amigos que cultivamos em Ushuaia, que nos aguardavam no pórtico de entrada da cidade, um dos marcos mundialmente conhecido, com um providencial café quente e biscoito, que chegamos para concluir a travessia da Terra do Fogo.
Foi uma chegada e uma conquista inesquecíveis, não pelo feito, mas pela alegria e conforto de termos amigos distantes vibrando, de ver nos olhos e sentir seus corações em compasso acelerado, em sintonia com nossos sentimentos. A verdadeira união de irmãos de alma.
E, a noite foi reservada para comemorar e “charlar” até a madrugada, no aconchego fraterno da casa do meu amigo Oscar (In Memoriam) e Sônia. Descontração, alegria, risos largos e harmonia, que acabei esquecendo que estava com os dedos congelados.
Mesmo com o frio que me aterrorizava, fomos fazer algumas fotos pela cidade e Parque Lapataia. Ainda, naquela tarde, refugiamo-nos com os amigos no Tante Sara Café, para nos aquecer com chá e continuar a boa conversa. E foi, nesse momento, que conheci o Carlito, o garçom que nos atendeu, motociclista e amigo dos meus amigos. Uma grande e nova amizade se iniciava naquele momento, pois, ao ouvir nossas histórias, ficou impressionado a ponto de começar a sonhar em realizar essa viagem ao Alaska.
Eu, como já havia alcançado os louros da vitória, disse a ele que deveria ir, que jamais se arrependeria, que bastava ter vontade, querer conhecer e partir. Coloquei-me a disposição para ajudá-lo no planejamento e também viabilizar a compra de uma moto nos USA.
Bem, o final dessa longa e incrível história será devidamente reportada em momento oportuno. Mas, vos asseguro, é uma bela e magnífica história.
Após uma boa revisão das motos, realizada pelo Mestre e amigo Oscar, preparamo-nos para partir no dia seguinte.
A passagem pelo Paso Garibaldi, pela manhã, foi, mais uma vez, terrivelmente fria. Mas estávamos voltando para casa, para o aconchego da família e, de quebra, tentando chegar durante o evento do Mercocycle.
O frio não nos deu trégua, mas o vento patagônico foi camarada e se escondeu atrás da cordilheira. Ufa!
A viagem para casa transcorria de forma tranquila, pois, a cada quilômetro rodado em direção norte, parecia mais confortável até que, enquanto abastecíamos as motos em Trelew, o Edson observou que o cabo do acelerador estava com apenas dois fios de aço na espia. A minha supressa foi quando ele disse que daria para chegar até Buenos Aires, onde faríamos mais uma revisão programada.
Estávamos a mais de um mil quilômetro de distância e argumentei que não sairia para a estrada nessas condições, pois tínhamos data para chegar à Concessionária em Buenos Aires. Logo chegou um carro policial e perguntei se poderia nos indicar uma oficina mecânica. Ele comentou que, por ser sábado, já estavam fechando naquele horário. O policial ligou para uma revenda de motos de um amigo e pediu que o mecânico nos aguardasse, pois estaria nos levando até lá.
Mais uma vez, os Anjos de Guarda em ação. Em uma revenda de motos pequenas, o mecânico adaptou um cabo novo, de uma moto de 150 cc. Ficou tão perfeito, que o Edson não trocou na revisão.
E, assim, após a revisão das motos em Buenos Aires, fomos chegando mais perto do Brasil, pernoitando em San José, no Uruguai.
Nossa chegada foi muito emocionante, pois, ainda no Uruguai, nas proximidades de Tacuarembó, fomos recepcionados pelos Irmãos Cunha (In Memoriam) e Sendtko. E já começamos a comemorar em Rivera, comendo um assado de tiras.
Pouco antes de Santa Maria, uns 30 km de distância, nos aguardava à beira da estrada, um grupo de amigos dos Gaudérios do Asfalto. Outro momento de muita alegria, que foi elevado à terceira potência, quando, na entrada da cidade, as nossas esposas nos aguardavam para nos abraçar e nos receber com carinho, assim como a saudade que o tempo fez brotar em nossos corações. Abraços e beijos foram confortantes e selaram, mais uma vez, o amor que nos une.
A chegada ao evento do Mercocycle foi apoteótica, pois todos pararam para nos recepcionar, aplaudir e nos oferecer um abraço pela conquista histórica. Cada abraço recebido e palavras amáveis ainda estão em nossos corações e memórias.
Sobre essa longa jornada, a história completa será contada em livro, que já foi iniciado, mas, devido a uma situação de saúde do escrevinhador, foi interrompida. Espero em breve fazer uma parada nas viagens, para concluir o livro dessa aventura memorável.
Depois dessa retrospectiva, onde a parte do Hemisfério Sul – Tierra del Fuego, Argentina foi realizada, chegou o momento de tentar realizar a parte Norte – Alaska, Estados Unidos da América.
Inicialmente, convidei o Brother Edson Steglich, que foi comigo em 2011 ao Alaska. Ele declinou do convite.
Na viagem que fiz com o Steglich para Fortaleza em julho de 2023, convidei o Brother Adilson Castilho, também parceiro de viagem de longa data, que está residindo por lá. Sabia que pretendia completar a viagem a Prudhoe Bay, que fez com Nara na garupa, mas teve de interromper quando chegou ao Círculo Polar Ártico. Ele ficou interessado, passei algumas informações sobre as regras do desafio e ficamos de conversar na sequência.
Em outubro, eu o provoquei novamente e fizemos uma vídeo chamada, passei minhas ideias e tudo que eu havia juntado de informações. Ele, no mesmo dia, “bateu o martelo”. Estava junto!
Bem, fomos afinando, ajustando o planejamento e buscando mais informações, que são poucas, ou eu não soube buscar. Hehehe
Sugeri um roteiro básico para o mês de abril e passamos a buscar moto para alugar nas locadoras existentes em Fairbanks e Anchorage, passagens aéreas e equipamentos.
Inicialmente, definimos que alugaríamos duas motos para fazer o desafio. As respostas das locadoras, em Fairbanks e mesmo em Anchorage, informavam que fecham as atividades nesse período e não locam motos antes de 20 de maio.
Criado o primeiro impasse, buscamos alternativas, inclusive, comprar moto ou locar em Seattle.
Com nossas buscas e informações com amigos, conseguimos locar em Fairbanks, que era nosso plano “A”.
Pouco antes de fecharmos a locação, em uma madrugada de pesquisas, meditações, preocupações, medo, prudência e responsabilidade, surgiu a ideia de locarmos apenas uma motocicleta, e, com o custo da outra moto, locar uma camioneta para dispormos de apoio imediato em caso de algum acidente.
Desafios nos movem, nos fortalecem, nos ensinam, nos instigam a reflexões, e, muitas vezes, contribuem para nosso desenvolvimento, especialmente para compreender o sentido da vida, mas nossa segurança jamais pode ser esquecida. Assim penso.
De pronto, o Castilho concordou com a ideia e fomos ajustando os outros detalhes da viagem.
Situação da moto definida, o passo seguinte era comprar as passagens aéreas até Fairbanks, no Alaska, onde elegemos como nossa base.
Quando estávamos definindo a compra das passagens aéreas em uma chamada por vídeo, o Castilho consultou o amigo Sérgio Amora. Ele manifestou vontade de conhecer o Alaska e ir junto, mas não pretendia pilotar moto.
Bem, esse é um capítulo muito bacana, pois estava se agregando, ao grupo, um novo amigo, uma pessoa especial, de muito conhecimento e habilidade, que nos ajudou muito em nossa aventura pelo Alaska.
Para começar, disponibilizou seu endereço em Miami, para receber nossas compras de equipamentos que realizamos pela internet.
Tudo alinhado, ao menos o que nos parecia essencial, mas sabíamos que, chegando ao terreno, teríamos ajustes a realizar.
Parti de Itajaí, SC, dia 03 de abril de 2024 para Fortaleza, para afinar alguns detalhes com o Castilho, para, dia 05, embarcarmos para Miami, onde o amigo Sérgio Amora já nos aguardava.
Ficamos 3 dias em Miami, verificando roupas e os equipamentos que havíamos comprados com apoio do Sérgio. Esse tempo também foi interessante para conviver e trocar experiências com o Sérgio, que já é amigo de longa data do Castilho.
Reunido o grupo de viagem, partimos dia 09 para Fairbanks, com uma rápida escala em Seattle. Chegamos às 2 horas, do dia 10, em Fairbanks. Como informamos o hotel para nosso check in nesse horário, não tivemos dificuldades.
Descansamos e, ainda, pela manhã, fomos pegar a camioneta locada que usaríamos para apoio de eventual socorro imediato, transporte de bagagem, gasolina e ferramental.
O amigo Sérgio, por estar legalizado com identidade americana, agilizou muito os trâmites da locação.
A previsão de pegarmos a moto estava prevista para o dia 12, mas, como tudo estava se encaminhando bem, resolvemos fazer uma visita ao Collin, da Arctic Moto Adventures para conhecermos a moto, uma Teneré 700. Moto essa, que foi meu sonho mesmo antes de seu lançamento na Europa.
Cabe registrar que a moto estava exatamente como prometida, impecável, pneus novos, com equipamentos colocados especialmente para nossa aventura, como parabrisa mais alto, protetores de manete, de carenagem, pedaleiras especiais, entre outros. Também estava pronta, uma caixa com ferramentas, peças de reposição, compressor de ar, studs (cravos) para os pneus, parafusadeira de baixa rotação e uma boa capa de proteção para a moto.
O Collin foi muito simpático, embora tenha nos chamado de crazy, o que nos permitiu ousar e perguntar se poderia antecipar para o dia 11 a entrega da moto, pois facilitaria nosso planejamento para o desafio.
Ele anuiu de pronto, e assim antecipamos nossa partida para Alcan Border, na divisa com o Canadá, para o dia 12 de abril.
Desde o princípio da ideia de locar apenas uma moto, acordamos que eu pilotaria, por primeiro, e o Castilho pilotaria no retorno de Alcan Border e Prudhoe Bay, uma vez que o desafio prevê que o piloto deve cruzar todo o Estado do Alaska, da fronteira com o Canadá até Prudhoe Bay, ou sentido inverso.
Tudo preparado, e com as informações que conseguimos nas pesquisas via internet em Fairbanks, entendemos que dificilmente enfrentaríamos gelo na estrada para Alcan Border, mesmo tendo que cruzar as montanhas existentes nesse trecho, decidimos não colocar os studs (cravos) nos pneus.
Quando acordamos, dia 12, com tudo preparado para dar início ao desafio Grande Cacique Fazedor de Neve, ao abrir a cortina do quarto, por volta das 7 horas, já percebemos que realmente faríamos jus ao título de Fazedor de Neve, pois amanheceu nevando em Fairbanks, e a previsão informava que persistiria até às 10 horas. Mesmo com essa previsão, fomos tomar o café, mas com um olho nos aplicativos de previsões do clima.
Por volta das 10 horas, parou de nevar. Estávamos preparados mentalmente e com os equipamentos prontos, foi só pegar a moto que estava em frente à garagem do hotel com sua capa de proteção coberta de neve.
Tudo à volta que tinha um resquício de terra, barro, concreto, asfalto ou telhado, estava branco. O visual generosamente se mostrava lindo, mas a animação já abria espaço a um ar mais moderado e cauteloso.
A moto não se acovardou para o frio, e, ao dar partida, de pronto, fez soar o ronco do motor tão afinado, que nos passou energia e confiança.
Abastecemos bem próximo ao hotel, com as ruas praticamente brancas, apenas os trilhos dos carros, na pista, se mostravam pretos.
Segui a camioneta até alcançar a estrada, quando, então, passei à frente para dar o tom da tocada, sempre observando os limites de velocidade permitidos e o termômetro que indicava 5 graus negativos.
A primeira parada foi na Santa Claus House, distante umas 15 milhas. Fotos, uso dos sanitários e uma rápida visita, pois combinamos de realizar as compras no retorno.
Cabe referir que na partida decidi utilizar a roupa tradicional de moto, impermeável, com forro para frio e mais 3 camadas de roupa, para ter uma ideia de como seria enfrentar o frio alasquiano.
Pouco antes das 14 horas, realizamos um pit stop em Delta Junction para fazer um lanche e eu tomar um café, pois o frio já se fazia sentir nos ossos.
A estrada estava limpa, com neve ao longo do acostamento, mas praticamente todos os rios congelados e regiões de montanhas nevadas. Visual magnífico que nos fazia sentir felicidade de estar ali vivendo aquele momento, mas também alguma apreensão por saber que teríamos regiões de montanhas a enfrentar, logo à frente.
A próxima parada foi em Tok, abastecemos a moto e tomamos mais um café com um pequeno lanche. O Sérgio não é adepto do café e preferiu tomar um suco.
A temperatura marcava 5 a 6 graus negativos, dia nublado, final de tarde, sensação térmica em torno de 10 a 12 graus negativos, quando se está pilotando por longo período. Então o frio começa a castigar o esqueleto do piloto Sênior, e não hesitei em vestir o macacão que suporta 46 graus negativos, comprado especialmente para essa aventura. Pilotar de Fairbanks até Tok foi o limite que suportei, do frio, sem o macacão.
As paisagens, a cada milha percorrida, se mostravam incríveis, com neve na borda da pista, pinheiros ao longo da estrada, e, no horizonte, montanhas completamente nevadas. Impossível não parar para uma fotografia, quando se está devidamente protegido do frio.
Antes da divisa do Alaska com o Canadá, passamos pela Aduana sem controle, para saída e, logo adiante, creio que menos de uma milha, chegamos a placa tão almejada por muitos motociclistas para foto. Welcome to Alaska!
Moto à frente da placa, com alguma neve no entorno, tratei logo de registrar com fotos, muitas...
Momento especial, mas não tive muito tempo para comemorar, pois já se aproximava das 20 horas, e o Castilho precisava colocar a roupa e se equipar, pois a ideia era tentar pernoitar em um hotel distante umas 18 milhas, ou teríamos que retornar até Tok.
Brother Castilho já equipado, começamos o retorno a Fairbanks, agora ele pilotando e eu na camioneta como suporte. Ele sai na frente, devagar para se adaptar à moto e tentar rodar com a luz do dia, o máximo possível, enquanto ficamos organizando as roupas e equipamentos.
Na passagem pela Aduana, entrando no Alaska, o primeiro contratempo. Quando chegamos à Aduana, que tem dois pontos de barreiras com semáforo e placas, o Castilho se equivocou e interpretou que poderia passar direto, mas foi barrado logo após o segundo semáforo. Ao chegarmos à Aduana, tudo se resolveu com o auxílio do amigo Sérgio.
O Castilho saiu na frente e se desgarrou um pouco, aproveitando o entardecer que se mostrava espetacular no horizonte, com uma faixa vermelha a nos brindar por longo tempo, para apreciarmos o esplendor do final do dia alasquiano. Belíssimo!
O hotel, existente na região de Alcan Border estava fechado para reforma e tivemos que seguir até Tok.
A tocada do Castilho foi mais forte, mas não o suficiente para escapar da noite, que passou a castigá-lo com um frio mais intenso.
Chegamos a Tok, passado das 21 h 30 min, o Castilho com as mãos e os pés congelados. O frio, à noite, realmente se torna mais exagerado.
Ele não conseguiu utilizar as Hand Covers (capas de mãos para moto), que ficaram muito apertadas com as luvas para extremo frio da BMW Motorrad, e os hand warmer (aquecedor de mãos) da HotHands não foram suficientes.
Igualmente, os insole foot wamers (palmilhas aquecedoras de pés) da The Heat não foram suficientes para manter os pés aquecidos com a bota Santiago da BMW Motorrad.
Conseguimos nos hospedar no Tree Bears Tok Motel, muito aconchegante, e, logo após um merecido banho quente, estávamos todos recompostos, mas o Castilho precisou de uma dose do seu whisky Jack Daniels, enquanto eu me contive com meia dose!
Dia 13, abastecemos a moto e a camioneta e partimos às 8 h 30 min para Fairbanks, com o dia carrancudo e temperatura de 6 graus negativos. Ao nos aproximáramos da região de Tanacross, o tempo foi se fechando para os aventureiros e começou a nevar de leve. Eu e o Sérgio pedíamos ao Altíssimo que a situação não se agravasse, pois o Castilho pilotava sem os studs nos pneus.
Na travessia do Robertson River, que estava completamente congelado, já começamos a encontrar o acúmulo de neve na pista. Mas foi entre Dot Lake e Dry Creek que a neve foi mais intensa, ao ponto de acumular uma camada de neve na pista.
Minha preocupação se acentuou e nos restou enviar boas energias ao Castilho que pilotava a moto. Ele procurava alguns trilhos que se abriam com o trânsito dos carros, mas, em alguns pontos mais elevados, se observava que a nevasca da noite havia sido intensa. As fotos vídeos ficaram bacanas, mas essa primeira experiência não foi animadora.
Logo após a travessia da ponte sobre o Gerstle River, a pista ficou limpa, e o Castilho fez um pit stop em uma área de estacionamento. Estava exausto e com muito frio nas mãos e pés. As botas tinham uma crosta de gelo na biqueira, onde a água espraiada da roda dianteira congelava. Havia crostas de gelo no paralama, bengalas, frente dos alforjes e, incrivelmente, a água, que batia nos raios, congelava.
Ele aplicou uma ou duas injeções (cigarros), retiramos o gelo das botas e continuamos até Delta Junction, onde abastecemos a moto e novamente tomamos um café com um lanche leve.
Depois de Delta Junction, o meu telefone voltou a ter sinal e recebi uma mensagem do Cláudio, brasileiro que mora no Alaska, dando conta de que não conseguiu falar com seus contatos caminhoneiros, para saber das condições da Dalton Highway até Prudhoe Bay.
Novo pit stop na Santa Claus House, onde aproveitamos para comprar pequenas lembranças e chegamos a Fairbanks por volta das 16 horas.
Abastecemos a moto e a camioneta antes de voltarmos para o hotel, mas eu já tinha, no meu pensamento, que não iniciaríamos o deslocamento para Prudhoe Bay sem resolver duas questões: a primeira era comprar um Hand Covers de tamanho maior, para que o Castilho pudesse utilizar. Eu também não pilotei com segurança, pois, embora o que compramos fosse de boa qualidade, era pequeno e dificultava o acesso aos comandos, trazendo insegurança para pilotar. Tema resolvido com apoio do Collin;
a segunda era o aquecimento dos pés. O trecho para Prudhoe Bay seria desafiador, pois as previsões se mantinham com baixas temperaturas e nevascas temperadas com ventos.
Fomos até a Loja Rei e compramos uma bota que suporta temperaturas negativas extremas, com a possibilidade de trocarmos por outros artigos, no nosso retorno, pois não teria outra utilidade para nós.
Às 13 h 55 min, recebi a seguinte mensagem do Claudio. “Bom dia. A resposta que recebi foi: Todos os dias congela e descongela. É escorregadio. Use cravos. “
Eu não me surpreendi, pois ele já havia feito referência que o gelo começa desde perto de Fairbanks por causa do aumento da altitude. E ele conhece a região, pois trabalhou com carro de segurança dos caminhoneiros que vão para Prudhoe Bay.
No final do dia, eu e o Castilho fomos ao encontro do Claudio para conhecer e agradecer pessoalmente, o auxílio com as informações que nos alcançou.
Orientou-nos, ainda, sobre os costumes e visão dos caminhoneiros sobre a Dalton Highway, uma estrada essencialmente de trabalho.
No final da tarde, conseguimos uma garagem com a dona do hotel, para que pudéssemos nos abrigar do frio e colocarmos os studs nos pneus da moto. O amigo Sérgio foi fantástico, com sua habilidade e espírito de equipe, pegou a parafusadeira e não largou mais até colocar o último studs. Fenomenal!
Também o Sérgio regulou o pedal de troca de marchas, para a bota de extremo frio que compramos. Fiz um teste com a bota nas imediações, e não gostei, pois dificultava para fazer o câmbio das marchas, a sola é muito alta. Eu seguiria utilizando a outra bota com os insole foot wamers.
Voltei do teste convicto de que preferia sentir um pouco de frio nos pés, e não correr o risco de pilotar sem segurança em uma estrada que poderia enfrentar pista com neve e gelo. Mesmo assim, levamos as botas na camioneta.
Cabe referir que, ao alugarmos a camioneta, declaramos que nosso deslocamento incluiria Prudhoe Bay e solicitamos pneus com studs para rodar na neve.
Tudo pronto, tratamos de preparar os equipamentos para partirmos no dia seguinte até Coldfoot.
Dia 15, segunda-feira. Após tomarmos o café da manhã, com a camioneta pronta, por volta das 9 horas, voltamos à estrada para enfrentar a desafiante Dalton Highway. Os primeiros quilômetros foram de cautela, pilotar a moto equipada com studs nos pneus, em meio ao tráfego da cidade, pela primeira vez, exigia esse cuidado.
A moto transmitia a impressão de que iria escorregar no asfalto a qualquer momento, especialmente para virar à esquerda ou à direita. Aos poucos se pega o jeito e nem lembramos que estamos usando os studs.
Percorremos a Elliott Highway até o entroncamento com a Dalton Highway. Paisagens estonteantes a cada curva e a cada aclive ou declive nas montanhas. Imagens que só havia experimentado em fotos e filmes. Como a altitude vai se alternando em razão do relevo montanhoso, a expectativa era sempre encontrar um visual mais bonito a cada milha percorrida. A estrada estava em boas condições de trafegabilidade quanto ao pavimento de asfalto.
Ao iniciar a rodar na Dalton Highway, temível por muitos e cobiçada para outros tantos, tive o sentimento de que, nesse instante realmente, se iniciava o desafio do Grande Cacique Fazedor de Neve, talvez por ser uma estrada mítica e desejada por grande parte da comunidade motociclista.
Logo, no início, deparamo-nos com a tradicional placa, “Welcome to the Dalton Hghway”. Parada obrigatória para o devido registro fotográfico, mas, também, para movimentar um pouco a musculatura, que vai se contraindo, sem percebermos, em uma pilotagem com temperatura hostil e sensação térmica no alto da montanha que beirava a casa dos 12 graus negativos.
Paradas que sempre geram um clima de descontração, mas, também, palavras de apoio, incentivo e motivação por parte dos amigos Castilho e Sérgio, que vibravam com a pilotagem que acompanhavam a sua frente.
A Dalton Highway passa a se alternar com trechos de um tipo de terra com pedriscos, muito bem compactados, e trechos de asfalto até Coldfoot. Muitos quilômetros de asfalto em relação ao ano de 2011.
Por volta das 14 h 30 min, aproveitando um alargamento da pista, parei para reabastecer a moto com o combustível reserva que levávamos na Dodge RAM. Trabalho, esse, realizado pela equipe.
O cenário continuava belíssimo e, ao nos aproximarmos do Yukon River, mesmo a distância, era possível ver toda a sua imensidão e completamente congelado, um espetáculo de fitar os olhos naquele cenário.
Parei a moto, logo após a ponte, pois sabia da existência de ser um ponto de apoio. Acabei deixando-a à beira da estrada, pois o acesso estava com muito gelo e poças de água do degelo. Só abastecemos a camioneta e o galão reserva para a moto, tomamos um café rápido, pois o atendimento da Senhorinha não foi muito amistoso com o Brother Castilho. Hehehe
Seguimos para alcançar o Arctic Circle, sempre com a estrada em boas condições, sem buracos, alternando com trechos de asfalto, com neve e gelo na pista, ou, raramente, uma camada fina de lama, em razão do degelo. A Trans-Alaska Pipeline nos acompanhava, ora de um lado, ora de outro, na Dalton Highway, como um guia ou apenas uma companhia a testemunhar nossa insana aventura.
Toda essa região estava completamente tomada pelo gelo. Um verdadeiro sorvete branco, difícil de caminhar e muito difícil pilotar uma moto. Não tive mais dúvidas de que os studs eram essenciais, mas a sensibilidade da mão do piloto faria toda a diferença para manter a motoca na posição vertical.
À medida que avançávamos e nos deparávamos com gelo e neve na pista, íamos adquirindo experiência e relaxando um pouco, diminuindo a tensão e o medo, para quem vivenciava, pela primeira vez, pilotar uma moto naquelas condições.
Registros fotográficos realizados, retornamos à estrada para as últimas 60 milhas até Coldfoot, nosso destino do dia.
A Dalton Highway continuava a se apresentar da mesma forma, com gelo ou neve nos trechos de montanhas mais elevados e muito sinuosa.
O respeito aos caminhoneiros foi constante, sempre encostava a moto quando se aproximava um caminhão, com a manobra do Sérgio na Dodge RAM, posicionando à minha frente ou na traseira, dependo do sentido do caminhão, para me proteger e dar mais visibilidade aos motoristas, que, via de regra, agradeciam com cumprimento.
Os caminhoneiros usam o único trilho, que existe nessa época do ano, e não diminuem a velocidade, pois precisam aproveitá-la na descida para subir os aclives da Dalton Highway.
Algumas milhas antes de Coldfoot, não se avistava nada além de neve. A pista ficou bem difícil, eu passei a pilotar a 20/25 milhas/h, com mão suave no acelerador.
Máquinas na pista removendo a neve, em meio à circulação de muitos caminhões, pois Coldfoot é o principal ponto de apoio entre Fairbanks e Prudhoe Bay.
Não tive dúvidas de que havia nevado naquele dia ou noite anterior conforme as previsões indicavam.
Para chegarmos ao restaurante, foi necessário atravessar um verdadeiro lago de degelo. Segui exatamente o caminho de uma roda da camioneta, para evitar alguma surpresa. Seguramente tinha, aproximadamente, 40 cm de profundidade e foi tenso até parar a moto sobre o gelo duro em frente à bomba de combustível, que continuava ao relento, sem qualquer cobertura de proteção.
Chegamos com dia claro e temperatura de 6 graus negativos, pouco antes das 18 h.
Abastecemos a moto e a camioneta, e fomos até o restaurante para conseguir dois quartos. São muito caros, à primeira vista, mas, ao refletirmos sobre onde estávamos e toda a logística para manter aquele ponto de apoio funcionando durante todo o ano, chegamos à conclusão de que o valor era justo. Agradecemos ao Supremo Criador e aos proprietários por mantê-los disponíveis.
Acomodamo-nos no hotel em frente, completamente envolvido por neve, onde me desequipei e logo voltamos para comer um lanche e tomar um café.
Antes de nos recolhermos ao hotel, com a moto estacionada em frente ao restaurante, o amigo Sérgio, nosso MacGyver, colocou mais studs no pneu traseiro, pois o desenho do pneu não favorecia uma boa distribuição uniforme. Como esse lote reserva era de um tamanho menor, cravejou por todo o pneu, a fim de melhorar a aderência, tanto no gelo como na neve.
Acordamos por volta das 7 horas naquele 16 de abril, com o Sol querendo surgir naquela imensidão de neve por todo o lado. Fomos tomar café no restaurante e, quando voltamos, o tempo passou a ficar fechado e não tardou para começar a nevar. Acabamos partindo por volta das 10 horas, e logo a temperatura começa a despencar, chegando a 9 graus negativos no termômetro da moto. Realizamos um rápido reconhecimento da estrada.
A estrada continuava com boa camada de neve na saída de Coldfoot, depois, na parte mais plana, a estrada, que tem um bom trecho de asfalto, melhora muito, mas tudo à volta é nevado.
Algumas milhas antes da passagem do Atigun Pass, o tempo fechou rapidamente com uma tempestade de neve e vento forte. Paramos, pois não havia condições de pilotar uma moto sem visibilidade, às escuras. Como o Collin nos emprestou uma rampa, decidimos, de forma unânime, embarcar a moto, pelas condições de insegurança que se mostravam indiscutíveis. Um motorista que estava parado com o caminhão quebrado comentou que, com a camioneta, era possível passar.
Logo que começamos a subir, o vento movimentava a neve, e, poucos quilômetros à frente, foi se formando uma tempestade de neve, cobrindo quase que totalmente a visão da estrada, mas era impossível tentar fazer retorno.
Próximo ao cume da montanha, o Sérgio conduziu a camioneta, guiado pelo Supremo Criador e auxiliado pelos Anjos de Guarda, pois dirigiu, por algum tempo, “às cegas” literalmente. Não se visualizavam os guard rails, e o pavor foi sentido por integrante da expedição! Momentos de extrema tensão e perigo.
Estávamos como se atravessando nuvens densas, sem controle visual ou instrumentos tecnológicos. Tentamos manter a serenidade, auxiliando o Sérgio a dirigir com o nosso pensamento e nossos olhos. Admito que cometi um erro de avaliação para essa travessia, mesmo com a avaliação positiva do motorista do caminhão. A diferença é que eles são peritos da Dalton Hwy. As imagens são assombrantes e atemorizantes!
A descida do outro lado estava com uma visão um pouco melhor, mas a tempestade de neve continuava. Logo avistamos uma fila de caminhões parados. Fomos seguindo, devagar, até que cruzou uma máquina que limpa a neve da pista. Não tardou e o trecho foi liberado, baixamos a moto para estrada, sempre com a habilidade do Sérgio, que tem muita experiência de trilheiro.
Foi um momento tão tenso, a ponto de o Sérgio dizer, se tivesse ideia do que enfrentaríamos, não teria passado. Inclusive utilizou essas mesmas palavras ao relatar a sua esposa, pelo telefone, à noite.
Ao nos afastarmos da montanha, se inicia uma região mais plana, onde a estrada continua se alternando com pedrisco compactado e asfalto. A neve e o gelo na pista, especialmente onde havia asfalto, exigiam muita atenção em razão do gelo que havia por baixo da neve, removida pelas máquinas. Várias máquinas trabalhavam no trecho.
À medida que avançávamos rumo ao Norte, tudo à volta da estrada era coberto de neve até onde nossos olhos conseguiam avistar no horizonte. Indescritível!
Ao me aproximar de Prudhoe Bay, mesmo com o asfalto limpo, em grande parte do trecho, toco o acelerador com cautela, e o pensamento fervilha com imagens, retrospectivas, sensações, emoções à flor da pele, agradecimentos e orações, por estar pilotando, naquele instante, a poucas milhas do destino. Difícil transformar esse momento vivido em palavras definitivas.
Poucos minutos antes das 19 horas, eu estava estacionando a moto em frente à General Store, onde o piso parecia uma pista de hóquei no gelo, mas com ranhuras deixadas pelas máquinas que raspam a neve que se acumula sobre o gelo. À chegada, o êxito do planejamento, a companhia dos amigos Castilho e Sérgio me deixaram mais sereno, talvez anestesiado.
Muitos registros fotográficos, vídeos e partimos para encontrar um hotel. Com a temperatura abaixo de 7 graus e vento moderado, me refugiei na entrada de um alojamento da Cia Brooks Range, ao lado da General Store, onde aguardei o Sérgio e o Castilho.
Depois de quase uma hora na busca de vaga em hotel, conseguiram um “meia boca”. Acomodamo-nos e jantamos, com a boa vontade do cozinheiro, pois já estava tudo fechado. O Sérgio preferiu apenas fazer um pequeno lanche.
Eu tratei de descansar, pois o dia foi intenso e tenso.
O Castilho se preparou para colocar tudo em ordem para iniciar o seu trajeto de retorno a Fairbanks, para fechar o desafio do Grande Cacique Fazedor de Chuva e também fechar o hemisfério norte para o GC Fazedor de Neve.
No dia 17, todos acordamos antes das 6 horas, com dia claro e limpo. O café estava liberado a partir das 5 horas.
Às 8 horas, o Brother Castilho já estava montado na moto para se deslocar até a General Store e registrar sua partida de Prudhoe Bay. Sua condução foi com extremo cuidado, pois estava literalmente ilhado no gelo, piso duro, o que dificulta pilotar a moto, mesmo com studs nos pneus.
Fotos e vídeos e bora para a estrada aproveitar o dia que prometia ser de sol, apesar da temperatura que se mantinha negativa.
Era perceptível o momento inicial de adaptação do Castilho aos pneus com studs, exatamente como eu me comportei na partida de Fairbanks.
A estrada parecia mais limpa, com pouco gelo e neve nesse trecho inicial. Mas, não tardou, chegou o longo trecho com neve e maquinas limpando a pista, mas o Castilho já estava se adaptando bem à moto e conduzia com cautela e prudência, demonstrando segurança e determinação.
Agora eu conseguia apreciar um pouco mais toda aquela exuberância de paisagem, que, por vezes, parecia surreal, coisas da nossa imaginação. O Castilho, por sua vez, creio, aproveitava melhor a pilotagem, pois já conhecia o terreno pelo deslocamento do dia anterior.
A paisagem continuava, a cada milha, com extrema exuberância, sempre acompanhada pela magnífica obra da Trans-Alaska Pipeline.
Mais alguns trechos com neve na estrada em que o Castilho passou com cautela, mas demonstrando segurança, um ou dois escorregões, que controlou com maestria.
Por volta das 13 h 40 min, o Castilho fez nova parada, dessa vez, para reabastecer a moto. Aproveitou para relaxar um pouco enquanto o Sérgio e eu realizávamos o trabalho.
O dia continuou limpo, com Sol tímido, mas presente.
A passagem pelo Atigun Pass foi muito tranquila, com o trecho inicial da subida com pouca neve na pista, não havia vento e pouco tráfego. Agora conseguimos ver a sua imponência e beleza em sua plenitude.
Após a travessia do Atigun Pass, encontramos o mesmo caminhão quebrado, ainda aguardando socorro para o conserto.
Eu, desde a noite anterior, me sentia incomodado, não desapontado, pois tinha consciência de que o clima é bruto no Alaska e pensava na possiblidade de permanecer mais um dia em Coldfoot, para fazer a travessia do Atigun Pass, mas, ao mesmo tempo, eu sabia que mais um pernoite iria onerar muito os amigos.
Algumas milhas depois, por volta das 15 h 15 min, eu pedi para o Sérgio ultrapassar o Castilho e fiz sinal para ele encostar a moto, pois o lugar se mostrava seguro.
Como eu não havia pilotado na travessia do Atigun Pass, no dia anterior, em razão da tempestade de neve e vento, já descrita, solicitei ao Castilho para me ceder a moto, tínhamos tempo para chegar com folga a Coldfoot com a luz do dia, pois eu gostaria de fazer a travessia daquela montanha mágica e coberta de neve.
Ele, prontamente, aquiesceu a minha solicitação, e, em poucos minutos, eu estava com o macacão, capacete e luvas calçadas.
Foi uma sensação incrível subir e descer aquela montanha, e assim acabei tendo a oportunidade de fazer duas vezes a travessia, sempre acompanhado pelos amigos.
Eu precisava fazer esse percurso, não só pelo cumprimento da regra do desafio, que imaginei, pudesse ser considerada, mas pela sensação indescritível, um sentimento inenarrável, que resumiu um desafio grandioso em pouco menos de uma hora de pilotagem. Obrigado, Castilho e Sérgio.
Retornei ao mesmo ponto em que peguei a moto para o Castilho seguir pilotando até Coldfoot.
Ao final, a parada se tornou técnica, pois o Castilho solicitou a aplicação de mais uma camada do Tyre Grip nos pneus, para melhorar a aderência. Também ele já apresentava sinais de cansaço e sofria com o frio na face, visto que precisava deixar uma abertura na viseira que embaçava, porque seu pinlock apresentava problema na vedação.
A estrada continuava melhor, mas se alternava com neve, gelo e um pouco de lama nos trechos de terra.
As paisagens que estavam as minhas costas, no meu deslocamento para Prudhoe Bay, agora eu as contemplava de forma plena. E, a cada curva, se avistavam cenários encantadores e surpreendentes.
Chegamos novamente a Coldfoot, agora com sua entrada completamente livre de neve na pista, dando conta de que dois dias de Sol é suficiente para os resquícios de neve, deixados pelas máquinas, desaparecerem rapidamente.
Entramos no complexo de apoio de Coldfoot e rapidamente abastecemos a moto, a camioneta e o galão que levávamos de reserva.
Depois de nos instalarmos no hotel, voltamos ao restaurante, onde cada um pediu um lanche, o Castilho e o Sérgio também aproveitaram para beber cerveja. Eu continuei apenas com água. Foi um tempo de boas risadas, pois o Sérgio havia tirado onda com o Castilho, quando resolveu o problema do pinlock do capacete com fita isolante e alcatrão. Boas histórias!
Depois foi momento de descansar, pois o dia seguinte seria um pouco mais longo até Fairbanks.
Dia 18 amanheceu com céu limpo, prometendo ser ótimo para pilotar. Depois do café, por volta das 8 h, o Sérgio observou que o pneu traseiro esquerdo da camioneta estava com pressão baixa. Peguei o compressor e tratamos de colocar uma calibragem bem superior, pois não detectamos a eventual perfuração.
Às 8 h 40 min, o Castilho já estava pronto para colocar a moto para rodar e fechar seu percurso. A estrada que há dois dias, estava com neve e gelo se apresentava limpa. Alguns trechos de terra bem compactados que permitiam uma boa tocada.
O cenário, ao longo da Dalton Highwai, continuava estonteante a cada milha que avançávamos. Não raramente, surgia um paredão formado por montanhas completamente nevadas, contrastando com a estrada de terra cercada de pinheiros nativos. Um prêmio para quem gosta e aprecia fotografia.
Passava das 10 horas e chegamos ao Arctic Circle. O Castilho teve muita dificuldade em chegar até a placa para o registro. O processo de degelo era notável, e a neve fofa se misturava ao barro que se formava, dificultando a tração, escorregando a roda traseira, e, por duas vezes, quase foi ao solo com a moto.
Após as fotos, auxilie, segurando a moto na lateral para não escorregar, até próximo ao acesso da estrada.
Mais um trecho de estrada, que agora se alternava com muita poeira e raros trechos com gelo na pista, chegamos ao ponto de apoio às margens do Yukon River. O Castilho também não conseguiu chegar até o estabelecimento com a moto, tendo que deixá-la próximo à estrada.
Aproveitamos a parada para abastecer com a gasolina reserva, pois o acesso à bomba de combustível era praticamente impossível com a moto.
Desse ponto até a o entroncamento com Elliott Highway, a paisagem já se apresentava com pouca neve na crista das montanhas, mas ainda com neve entre os pinheirais e ao longo da estrada. A pista estava seca e bem compactada, com boa parte de asfalto.
Parada na placa da Dalton Highway para o Castilho fazer registro fotográfico. Cabe destacar que o Castilho estava concluindo o desafio Grande Cacique Fazedor de Chuva, pois, sua viagem ao Alaska, em 2018, foi encerrada naquele ponto. Parabéns, meu caro Irmão! Fico feliz pela sua conquista, pois fazer esse desafio, com a garupa e sem parceiros é para poucos.
Seguimos para Fairbanks, agora pelo asfalto, e logo encontramos uma obra de manutenção antes de Fairbanks, com um trecho longo do qual foi retirado completamente o asfalto. Essa parada foi de uns 15 min, e o Castilho, já cansado pelo dia intenso de pilotagem, aproveitou para se esparramar e relaxar na Elliott Highway. Quando a pista foi liberada, um carro da empresa guiou os veículos nessa travessia.
Realizamos mais uma parada técnica, pouco antes da chegada, para necessidades fisiológicas, e colocamos toda a gasolina reserva no tanque da moto, pois era nossa ideia fazer a entrega da moto ao Collin, ainda no final do dia.
Nessa parada, o Sérgio, ao manobrar a camioneta, observou que o vazamento do pneu era exatamente em um dos studs. Ele, com sua habilidade, rapidamente fez o conserto.
O acesso à residência do Collin ainda continuava com neve e gelo, e o Castilho teve trabalho para passar, mesmo com os pneus com os studs.
A moto foi entregue muito suja da lama da Dalton Hwy, com os studs, mas sem um dano ou arranhão. O Collin, que se referiu a nós como crazy, ficou muito feliz e nos cumprimentou pela aventura, que para ele era inédita. Ele mesmo nos disse que nunca havia utilizado pneus com studs, ou mesmo, colocado-os em pneus.
Conversamos um pouco enquanto fazíamos o processo de entrega da moto e o material que nos emprestou e acabamos negociando para deixar os macacões para ele vender ou alugar.
Ao final, ele ajudou a terminar com o Jack Daniels do Castilho, em comemoração ao sucesso da nossa aventura.
Depois de nos instalarmos no hotel base em Fairbanks e com o término do desafio, surgiu a ideia de anteciparmos nosso retorno a Miami, pois a esposa do Sérgio estava chegando do Brasil para comemoração do seu aniversário. Eu e o Castilho entendemos muito justo, pois era o mínimo que poderíamos fazer como um gesto de agradecimento por todo o apoio que nos emprestou.
Acabou que eu e o Castilhos decidimos também antecipar nosso voo de Miami para o Brasil.
Depois de um dia em Fortaleza, com o Brother Castilho e a Nara, acabei desembarcando em Itajaí no dia 25.
Ao encerrar essa jornada desafiadora, por toda a dificuldade imposta pelo clima severo, distância de onde vivemos, logística complicada e custo elevado, cumpre agradecer, especialmente ao Brother Castilho, por acreditar no projeto e colaborar com seus conhecimentos e experiências para o nosso planejamento exitoso.
Agradecer ao amigo Sérgio, pelo seu espírito solidário, proativo, sincero, humorístico, emprestando seu vasto conhecimento, habilidades e tempo, para que nossa viagem tenha sido bem mais suave. Quem sabe, em breve, Ushuaia nos espera!
Agradecer a minha esposa e meu filho, que sempre estão comigo quando comunico dessas ideias de aventuras, mesmo não aprovando...
Ao Supremo Criador, que me permitiu e nos guiou, com sua luz de infinita bondade nessa aventura.
Os registros de mídias não foram suficientes, muito em razão da tensão de pilotar em um território hostil e foco total na segurança, com o objetivo de chegar a Deadhorse. Foi o possível.
Em breve, disponibilizarei no site: renatolopesmotoviagem.com e no Instagram: @renatolopesmotoviagem.
A história completa estará em um capítulo do próximo livro...
Antes que alguém pergunte, não falo nem sob tortura, quanto foi o custo dessa aventura, pois tenho sério receio de ser interditado pela Wilma, ou pelo Number One.
Fraterno motoabraço.
Até lá, até lá, até lá.
Mensagem do nosso moderador e amigo Gilmar Dessaune, por ocasião da homologação do desafio.
" Boa tarde, agora, Grande Cacique Fazedor de Neve Renato Lopes,
Prezadas Senhoras e Senhores, estamos diante de um fato mundialmente histórico no motociclismo: o primeiro louco, doido de pedra, doido varrido, maluco (beleza), amalucado, desajuizado, delirante, desvairado, insensato, lunático, tresloucado e Adorável Insano Renato Lopes concluiu o desafio mais radical do Território Fazedores de Chuva!!!! Exponencial!!!!
Ir ao Ushuaia (no extremo Sul das Américas) e a Prudhoe Bay (no extremo Norte das Américas) de moto NO INVERNO era algo simplesmente utópico. Um sonho delirante que por mais de uma década ninguém ousou tentar, menos ainda REALIZAR, mas está feito. Espetacularmente PARABÉNS!!!!
Não haverão adjetivos capazes de bem qualificar o feito, então vamos tomar emprestado outras aventuras ímpares ao longo da jornada humana no planeta Terra:
- em 1909 Robert Edwin Peary foi o primeiro homem a chegar no Polo Norte;
- em 1911 Roald Amundsen foi o primeiro homem a chegar no Polo Sul;
- em 1922, cinco Citroën Autochenille type P17 se tornaram os primeiros carros a cruzar o deserto do Saara (ressalte-se que ele foram preparados para a jornada com instalação de esteiras do tipo que usam os tanques de guerra);
- em 1927 Charles Lindbergh foi o primeiro a cruzar o oceano Atlântico de avião sem escalas;
- em 1953 Edmund Hillary e seu guia nepalês Tenzing Norgay foram os primeiros a chegar ao cume do Everest;
- em 1969 Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar na Lua;
- em 2024 Renato Lopes foi o primeiro homem a ter ido ao Ushuaia e ao Alaska de moto no inverno.
Pode parecer exagero, mas não é pois todos os demais citados acima fizeram parte de mega projetos com apoios e recursos diversos enquanto o Renato Lopes o fez com recursos próprios materiais próprios e com seus recursos psicossomáticos únicos de um ser diferenciado e iluminado, em todos os sentidos. Fantástico!!!!
Todo o tempo de planejamento e posterior execução da jornada que se deu em duas etapas (não tem como ser feita de uma vez porque tem que ser no INVERNO sendo que por estarem em hemisférios diferentes, não há como fazer de uma só tocada devido à alternância das estações do ano em nosso planeta).
Isso torna tudo ainda difícil pois o momento de cada partida é crucial para o sucesso da hiper aventura.
Mas, agora, isso virou história pois está feito.
O modelo está pronto, testado e aprovado.
O sucesso está garantido.
O reconhecimento ao mérito é nossa obrigação!!!
Ao mesmo tempo, podemos nos deliciar, curtir, assustar com as imagens e riquíssimos relatos. Obras de arte complementares ao magnânimo feito.
Se, até então, já nos causava espanto vermos suas aventuras sucessivas e magníficas, agora podemos dizer que atingiu um apogeu que raramente será alcançado, enfatizando ainda mais o mote: "qualquer um pode fazer, porém, poucos o fazem...".
Quando todos pensavam que seria impossível, ele foi lá e fez: Maktub!!!
Certamente todas as situações e emoções vividas poderão e deverão ser contadas, mas para sentir, só repetindo a incrível jornada sobre duas rodas com motor.
O ineditismo será recompensado, afinal seu Certificado terá o número 1 e isso não terá dinheiro que pague, a satisfação pessoal será inenarrável ao recebê-lo e, desde já, antecipo: pode chorar!!!
Imaginamos que a cada noite, ao deitar, imagens e mais imagens ficarão bailando em sua mente até o sono chegar e sua vida nunca mais será a mesma, pois certamente já é muito melhor.
Devemos destacar e agradecer a todo apoio e suporte que teve para realizar o feito. Os amigos que seguiram contigo. A família a dar o respaldo sem o qual não teria se lançado nessa aventura.
Respeitamos e admiramos TODOS os desafios, pois somente quem os faz é capaz de saber o quanto custou (em sentido amplo) para fazer e esse desafio foi giga ousado.
Assim, só nos resta colocar a foto que eternizará esse momento da homologação:
(foto está na capa de entrada no Menu Notícias)
E sob o seu nome, pela primeira vez, o selo alusivo à sua conquista!!!
Pode comemorar, essa vitória é sua e jamais lhe será tirada.
Que continuem a vir muitas outras, afinal temos convicção que isso não para por aqui.
Muito obrigado pelo respeito às regras, pelos textos maravilhosos, pelas imagens arrebatadoras e por estar nos brindando com sua presença entre nós!!!
Namastê!!!!
Mais uma vez PA-RA-BÉNS!!!
Abração e bon voyage!!!!
Controle: Homologação nº 047/2024 "