Renato Lopes

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Enfrentando o mal-de-puna ou mal-da-altitude!

Enfrentando o mal-de-puna ou mal-da-altitude!

Esse tema tem “assustado” e muitas vezes desestimulado alguns motociclistas que sonham em enfrentar a Cordilheira dos Andes e suas armadilhas climáticas.

Nas várias viagens que realizei pela América do Sul, praticamente toda a Cordilheira dos Andes, de um lado para outro, subindo e descendo suas incontáveis montanhas, me permitiu experiências por todas as estações do ano, deixando para trás o altiplano e a região puneña, sem sentir e enfrentar os problemas do mal-da-altitude ou da-puna, como preferem os andinos. E a medida que se permanece por mais tempo no altiplano ou picos das montanhas, nos possibilita uma melhor adaptação, a qual sempre foi socorrida pelo delicioso chá de coca e por mascarmos a folha in natura, essa nem tão deliciosa assim.

Como o mal-de-puna, de fato, pode atrapalhar ou mesmo inviabilizar um projeto, uma viagem e um sonho de quem tenciona se aventurar a fazer a travessia da Cordilheira do Andes, e, face os inúmeros pedidos de opinião e parecer sobre o assunto, de amigos motociclistas e leitores, transcrevo aqui as “dicas” que constam do meu livro De Motocicleta pelas carreteras da América do Sul, de modo a acudir e socorrer os mais assustados e intimidados com os efeitos do mal-da-altitude.

Aventurar-se sobre duas rodas, em uma viagem pela cordilheira, é uma experiência interessante e fascinante, mas são essenciais alguns cuidados. É muito provável que algumas pessoas tendam a não reagir bem a mudanças bruscas de temperatura, pressão e, principalmente, de altitude, podendo, inclusive, ser acometidas de desmaios, decorrentes da redução da pressão atmosférica com a elevação da altitude que acarreta uma diminuição da pressão parcial de oxigênio no ar e em nosso sangue, restringindo, assim, a disponibilidade desse gás essencial para que as células do organismo possam gerar energia.

O mal-de-puna, que pode ocorrer em altitudes acima dos 2.400 m.s.n.m., manifesta-se através de sintomas que se parecem com os de uma ressaca: cansaço, falta de ar e indisposição, dor de cabeça, sensação de desânimo, sono ruim, falta de apetite e náusea por vezes acompanhada de vômitos. Mas o mal-da-altitude ainda pode provocar outros efeitos como taquicardia e alteração da pressão arterial, que fazem parte da reação do organismo no processo de adaptação.
Com o clima mais frio, ocasionado pela elevação da altitude, a perda de calor pode levar à hipotermia.

Na verdade, a capacidade de se aclimatar à altitude varia entre as pessoas, dependendo de uma série de fatores. Evidentemente, quanto mais rápido se sobe e mais alto se chega, maior a chance de se desenvolverem os sintomas. Aqueles que já sofreram anteriormente com o mal-de-puna apresentam uma probabilidade maior de passar mal no retorno a regiões elevadas em comparação aos que, em outra ocasião, se aclimataram com maior facilidade. Diferenças genéticas e anatômicas, bem como o estado da saúde e a presença de doenças influenciam a capacidade de aclimatação de cada indivíduo. A ingestão de álcool e o esforço físico exagerado, realizado no período de acomodação, pioram a capacidade de aclimatação, intensificando os sintomas e aumentando a sua duração.

Assim, muitos de nós podemos sofrer consequências mais severas em travessias de altitudes superiores a 4 mil m.s.n.m., se de forma abrupta, como um edema celebral, ou mesmo, um edema pulmonar pelo extravasamento de líquidos para os tecidos causado pela diminuição da pressão atmosférica. Para suprir a carência de oxigênio no sangue e compensar essa falta, o organismo reage aumentando a produção de glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte de oxigênio para os tecidos. O coração envia mais sangue à cabeça, causando o inchaço do cérebro, provocando os sintomas e efeitos que podem ser graves se não houver assistência imediata. A readaptação plena do organismo pode demorar vários dias, no decorrer dos quais o viajante pode optar por descer para um local mais baixo a fim de aliviar os sintomas, em geral, um descenso de 500 a 1.000 metros na altitude é suficiente para essa finalidade. Para os casos mais graves, torna-se imperativa essa conduta.

Para prevenir o mal-de-puna, é importante que o viajante faça paradas estratégicas para aclimatação gradual, observando níveis crescentes de altitude, permitindo o tempo necessário para a adaptação do organismo. Se não possuir experiência ou hábito frequente na travessia de grandes altitudes, evite transposições rápidas do nível do mar para alturas elevadas, não faça esforço físico demasiado ou desnecessário; evite o consumo exagerado de bebidas alcoólicas nesse período de adaptação; realize os passeios em rítmo lento; procure ingerir de 3 a 4 litros de água diariamente, bem como alimentos mais leves; mantenha-se com agasalho adequado; e, quando se sentir apunado, no curso da viagem, pare imediatamente, aplique a técnica de respirar profundamente, por algumas vezes, até que a respiração retome o compasso normal, e, se não for o suficiente, permaneça parado por mais algum tempo e espere o organismo aclimatar-se.

Os sintomas costumam melhorar entre um a dois dias se a pessoa permanecer na mesma altitude, sem subida adicional, podendo, então, retomar a viagem para locais mais elevados. Entretanto, se o mal-estar persistir por mais dias a uma determinada altitude e a pessoa não estiver sentindo-se bem e em condições seguras de pilotar ou dirigir, é altamente recomendável não seguir adiante até que esteja aclimatada. Peça auxílio e aproveite para permanecer descansando até a chegada do socorro. Seguramente será uma decisão muito difícil para um motoaventureiro ter de estacionar, mudar o planejamento e dirigir-se para um local mais baixo, ou mesmo recuar. Pense, primeiramente, na sua segurança e na sua saúde.

Em todas as vezes em que eu rodei de moto por elevadas altitudes, nunca dispensei as folhas de coca, mascando-as por alguns instantes, deixando-as ao lado da boca, junto à bochecha, para, vez por outra, ir salivando, como se estivesse chupando um caramelo, mas evidente, que de gosto totalmente diverso e muito amargo.

Também costumo adotar o hábito de tomar chá de coca, que, diferentemente da folha, é delicioso. De acuerdo a mis hermanitos andinos, tem um efeito efêmero, não mais que duas horas, razão pela qual a folha de coca, la hoja sagrada, é mais eficiente quando renovada periodicamente, a fim de manter suas propriedades estimulantes. Esse é um hábito do povo andino que funciona como um poderoso energético e ajuda a respirar melhor no altiplano sem, contudo, provocar efeito psicotrópico, e é tão velho como a sua cultura e história.

Interessante é não confundir a planta in natura com a droga. A folha possui uma ligação ancestral com os povos andinos e de respeito aos usos, costumes e crenças. Quando um descendente andino coqueia, ele, respeitosamente, deposita sobre a Pacha Mama os resíduos das folhas da boca. Os visitantes, por, sua vez, cospem no solo. A droga, como a cocaína, produzida a partir da folha de coca, ao contrário, infesta as cidades do mundo inteiro, atacando e tornando os nossos jovens dependentes.

Existem estratégias medicamentosas para minimizar e superar os efeitos do mal-de-puna, e, nesse particular, socorri-me dos conhecimentos do estimado amigo Marcos Catania , de São Paulo, que me ofereceu valiosas informações sobre esse tema tão complexo e que envolve uma série de fatores, alguns ainda em estudo e inconclusos, para que, de alguma forma, possamos auxiliar os aventureiros que se dispõem a enfrentar elevadas altitudes, as quais transcrevo a seguir:

“Não é possível saber previamente quem apresentará sintomas maiores quando viajar para elevadas altitudes. Apenas para citar um fato curioso, um bom condicionamento físico não reduz as chances de ocorrência do mal-da-altitude. Dessa forma, idealmente, todas as pessoas que pretendem viajar para locais acima de 2.400 m.s.n.m. deveriam passar por uma consulta com seu médico para discutir as medidas preventivas adequadas, tanto as comportamentais (já citadas no texto acima) como as farmacológicas. Além disso, é importante discutir os aspectos da sua saúde que pode necessitar de orientações e intervenções específicas, principalmente nos portadores de doenças cardíacas, pulmonares, anemias e doenças crônicas. Por exemplo, diabéticos precisam saber que a maioria dos aparelhos portáteis que medem a glicose no sangue perdem a acurácia em elevadas altitudes; coronariopatas precisam ser bem avaliados e orientados para evitar problemas.

O tratamento preventivo medicamentoso pode estar indicado para aqueles que já tiveram sintomas previamente ou para os que pretendem cumprir um ritmo de subida mais acentuado. Esse tratamento, geralmente, inclui o uso de um diurético chamado acetazolamida, ingerido um dia antes do início da subida e por mais 48 horas ou até se atingir a altitude máxima da viagem.
A acetazolamida pode, temporariamente, tornar o gosto de bebidas gaseificadas desagradável. Outros efeitos colaterais incluem a vontade de urinar mais vezes, a dormência em mãos e pés, náusea e visão turva. Como a acetazolamida é derivada da sulfa, pessoas com alergia à sulfa têm chance maior de ser alérgicas a essa medicação. Nesses casos, a dexametasona, um corticoide, pode ser indicada como alternativa para a prevenção do mal-da-altitude.

O tratamento desse mal inclui repouso, a descida a altitudes menores e também, o uso de medicamentos e, se disponível, de oxigênio inalado, que alivia os sintomas. O viajante pode inalar oxigênio por certo intervalo de tempo (por exemplo, uma hora), somente quando estiver com sintomas, ou quando dorme, através de um cateter nasal, para propiciar um sono mais reparador e um bem-estar maior no dia seguinte.

O uso preventivo de aspirina ou de um anti-inflamatório, como o ibuprofeno, pode ajudar a prevenir a dor de cabeça que, frequentemente, ocorre nessas situações, principalmente, para quem planeja subir mais rápido. A aspirina e outros analgésicos, como dipirona ou paracetamol, podem ser utilizados no tratamento da cefaleia induzida pela altitude. Para náuseas e vômitos, podem-se utilizar antieméticos como a metoclopramida ou ondasetrona.

A acetazolamida e a dexametasona podem também ser utilizadas, além da prevenção, para o tratamento dos sintomas do mal-da-altitude. Vale lembrar que a dexametasona pode piorar o controle glicêmico de diabéticos. A acetazolamida reduz sintomas, mas, como se trata de um diurético, os cuidados com a hidratação adequada devem ser redobrados. A orientação dos esquemas e dosagens adequadas e da melhor estratégia individual a ser seguida passa pelo conhecimento do histórico médico e dos diversos aspectos da saúde de cada um. Evidentemente, seu médico é a melhor fonte de informação para questões relacionadas a sua saúde”.

Outras informações sobre o assunto podem ser encontradas no site da International Society for Mountain Medicine – ISMM e no site do Center for Disease Control and Prevention – Américano – CDC .
ISMM – Website: www.ismmed.org.
CDC – Website: http://www.cdc.gov.

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Marcos Catania – É Médico e motoaventureiro de longas viagens, que pode ser conferido através da Website: www.motoconesul.com. É Co-autor do Livro “Na garupa de um motociclista... Até o fim do mundo”, de autoria da sua esposa e garupa Antonela Siqueira Catania, também Médica Ph. D.

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